António Guterres – Secretário-Geral da ONU
Em entrevista coletiva nesta quinta-feira, o secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres afirmou: “Acho que 2021 é um ano do tudo ou nada”, em resposta a pergunta do repórter se ainda há tempo para salvar o planeta e a humanidade, durante o lançamento de um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) que deixa claro que o mundo vive três crises ambientais simultâneas – a climática, a de biodiversidade e a de poluição.
“Não é tarde demais, mas temos de ter certeza de que somos capazes de não apenas criar as condições para uma redução drástica de emissões nesta década, tornando possível conter o aumento da temperatura em 1.5 graus; este é o ano em que temos de ter um novo marco para preservar a biodiversidade, este é o ano em que temos de tomar um número importante de medidas para reduzir a poluição”, afirmou Guterres.
“É mesmo um ano de ‘ou vai ou racha’, porque o risco de as coisas ficarem irreversíveis está aumentando a cada ano”, seguiu o secretário-geral da ONU. “Isso requer uma mudança de mentalidade”, continuou.
“Nem tudo está perdido”, disse Inger Andersen, diretora-executiva do Pnuma. “Não há um ‘backup’ para a emergência climática. Se 2020 foi um ano desastroso, podemos fazer de 2021 o ano em que fizemos as pazes com a natureza”.
Guterres exemplificou com a forma em que as sociedades organizam os dados econômicos e editam políticas econômicas.
“Consideramos que há crescimento do PIB [Produto Interno Bruto] quando pescamos de maneira predatória. Destruímos a natureza, mas contamos como aumento de riqueza. Consideramos crescimento do PIB quando cortamos florestas. Destruímos a natureza e o bem-estar, mas consideramos crescimento econômico. E muitas outras atividades que colocam em risco o nosso futuro são ainda consideradas como parte do crescimento global”, acrescentou.
“Precisamos de uma mudança fundamental no modo em que medimos a economia, no modo como nos comportamos como cidadãos e no modo em que atuamos como países.”
A “tríplice emergência global” foi evidenciada no relatório “Fazer as pazes com a Natureza”, lançado nesta quinta-feira. O documento, elaborado por pesquisadores do Pnuma, expõe um plano abrangente para enfrentar os problemas.
“A emergência é muito mais profunda do que imaginávamos há alguns anos”, disse Robert Watson, que coordenou o relatório e foi autor de estudos científicos anteriores da ONU sobre a mudança do clima e a perda de biodiversidade.
O relatório mostra que o planeta está no caminho de ter um aumento de temperatura de 3,5 °C, muito superior ao estabelecido no Acordo de Paris. Indica, também, que 9 milhões de pessoas morrem ao ano por problemas causados pela poluição e que 1 milhão das 8 milhões de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção. Além disso, 400 milhões de toneladas de metais pesados e produtos químicos estão sendo lançados nas águas do mundo a cada ano.
Mais de 4,3 bilhões de pessoas são afetadas pela degradação das terras e cerca de 60% dos estoques pesqueiros estão sofrendo com a pesca, muito acima dos níveis máximos possíveis para que se refaçam. A poluição plástica nos oceanos cresceu mais de dez vezes desde 1980. Há 400 zonas mortas (com pouco oxigênio) nos mares.
“No fim, tudo isso irá bater em nós”, afirmou o biólogo Thomas Lovejoy, que atuou como conselheiro científico do relatório. “Não é só o que está acontecendo com os elefantes. Ou sobre o aumento do nível do mar. Tudo isso irá ter impacto sobre nós”, disse, segundo destacou a agência de notícias Associated Press.
O relatório diz que é preciso dar fim ao uso dos combustíveis fósseis e aos US$ 5 trilhões de subsídios que os governos colocam no setor de combustíveis fósseis ou em outros que degradam o ambiente.
Os planos de retomada da covid-19 são uma oportunidade imperdível para investir na natureza e alcançar a meta de registrar emissões líquidas zero até 2050. Essa é uma das mensagens centrais do relatório para enfrentar a “tripla emergência global”.
Nos últimos 50 anos, a economia global cresceu cinco vezes, boa parte disso às custas da extração de recursos naturais que triplicou. A população global duplicou, chegando a 7, 8 bilhões de pessoas, mas a pobreza também dobrou. Hoje, há 1,3 bilhão de pobres e 700 milhões que passam fome.
O estudo considera avaliações globais feitas pelos cientistas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática das Nações Unidas e o seu correspondente para biodiversidade, a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (Ipbes) além do Global Environnment Outlook do Pnuma e descobertas sobre o surgimento de doenças zoonóticas como a covid-19.
Publicação Originada de Daniela Chiaretti, Valor — São Paulo
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